Rádio Pin Ups
Quando alguém fala um mundo se abre

Quando alguém fala um mundo se abre …

Raduan Nassar já disse “cada palavra, sim, cada palavra é uma
semente”.

As sementes talvez possam germinar em um ambiente eletromagnético, como âmbar energicamente friccionado, transformado em magneto, magnesita eletricidade. Do antigo fluido etéreo – poderoso ether – às radiações ondulatórias chamadas pela Física contemporânea “radiações eletromagnéticas”, caminhamos nesta energia flutuante a procura de vozes cheias de magnetismo.

O barão Karl von Reichenbach chamou de Odyle esta energia estranha saída de todas as coisas vivas. Entre a cabeça de alguém e o chão à seus pés, o espaço de voltagem pode atingir 200 volts. Eis a energia medida, o totem rádio humano a considerar.
RadiOdyle … eu te chamei pelo nome

As plantas diferem dos seres humanos atestou Carl von Linné, porque estão privadas de movimentos. Mas Darwin veio depois para contestar o avô da botânica moderna: cada filamento de uma planta pode se mover.

Sendo assim, no século 20, o biólogo Raoul Francé já sabia que as plantas movem seus corpos tão livre e facilmente quanto qualquer um de nós. Até porque não existe jardim sem vento que tudo, o tempo todo, transforma …

Códigos em mutação: Morse, amplitude modulada, radiodifusão multimídia… ondas de formatação para caber nas caixas cranianas…Algo pode ser falado, outro narrado, pouco pode ser dito e outro tanto, raramente, sussurrado.

As orelhas abrigam muito mais do que o mecanismo da escuta. Envolvem no jogo acústico dos neurônios auditivos infinitos códigos na discriminação da linguagem falada.

Porque existe a necessidade de entender o que está sendo dito. Esta ação, classificada como “discriminar” é algo impalpável: o tipo do mecanismo no corpo humano aonde a Ciência não explica tudo, não sabe determinar exatamente, como acontece essa compreensão.

Mas existe.
Você pode ouvir e não compreender.

Nesse caso, o que se escuta pode ser o volume sonoro, os sons vibrando sem nexo gramatical. Mergulhando nesse esquema da audição, mesmo ouvindo, você será conduzido por suas referências emocionais e culturais.

Ouve-se o que se quer ouvir ?
Não exatamente… talvez o mais apropriado fosse afirmar ouvir o que se pode ouvir, dentro dos limites estabelecidos por parâmetros exteriores. Portanto, será preciso mais do que ouvir, será preciso escutar .

O mundo civilizado impõe sua escuta desenhada nos limites do consumo de algumas ideias e produtos. As vozes, mesmo aquelas sem corpos, nunca foram inocentes.

Na contramão deste desejo e na construção de outro, o rádio desenhou suas imagens de forma múltipla, sem corpos fixos, sem o fechamento das carnes, na imensidão da memória conjugada ao jogo da criação.
Mas como observar as falas que nos levam a outros territórios, estes mantidos escondidos, dentro de nós mesmos ?
Esta capacidade de nos revelar nossa escuta interior está presente, como qualidade, em algumas vozes do rádio.
Pode-se observar sua técnica, domínio na leitura de um texto, projeção do som ao microfone, ritmo, respiração, e inflexões várias …mas será possível determinar para além das observações técnicas e até estéticas, como exatamente esta voz, consegue um verdadeiro desencadear de emoções nos ouvidos alheios ?

A comunicação radiofônica tem sido entendida como um padrão de mensagens, assim como a comunicação por outros meios.
Mas nos habituamos a considerar mais fácil perceber este “sussurro da voz” num ator de cinema ou televisão. No escuro visual do rádio possíveis referências deste padrão se dispersam múltiplas, na corrente ondulatória da voz que fala.

Dizer o indizível parece ser a verdadeira mensagem dos grandes artistas.

Como as divas, cantoras do rádio brasileiro nos anos 50 : Carmem, Emilinha, Dircinha, Isaurinha, Linda, Adelaide, Dalva … falaram aos desejos imaginados, forjados na memória pela metáfora, sonho ou propaganda., como verdadeiras pin-ups radiofônicas.

Quantidades de rádio emissões: como, onde, quem ouve ?
Informação é a medida, canal de convergência e difusão … o automóvel, o computador, o celular, as caixas possíveis para exibir um corpo.

Desde que Edison aprisionou o Conde vampiro com sua caixa falante, incorporando ao fonógrafo esta função radio corpo de mensagens, mais tarde revigorada por Marconi como “caixinha de música”, muitos “corpos de rádio” sugerem formatos aos corpos de indivíduos.

Mulheres, deusas, heroínas, rainhas imaginadas na sugestão das vozes que saem dessas caixas, empilhadas excitam a voz suave dele que diz: “existem praias tão lindas…nenhuma tem os encantos que tu possui…
A escuta também é tátil.

Um totem de corpos de rádio, caixas falantes como se fossem mulheres amontoadas, empilhadas ecoando cantos de sereia.
Nesta torre de donzelas a memória secular determina: cada cabeça uma escuta, cada escuta uma sentença.
A falta de lógica nesta lógica da voz.

O desejo de cada um se dirigindo ao mesmo corpo que fala.
A equação memória + voz + imaginário costuma oferecer infinitos resultados. Tese matemática passível de comprovação já aceita diferente desdobramento capaz de obter resultado distorcido porém, semelhante.

Esta fórmula introduz componentes estáveis, sendo o mais indispensável deles, a voz.
A voz, este ingrediente principal, extrai de sua invisibilidade a carne necessária a seus ossos.
Montado o corpo padrão do rádio o que temos? O discurso crítico revela tipos creditados ao modelo que as nomeou, mas de fato, notemos: existe a voz do rádio e a voz no rádio. Esta última mergulha em nosso sono.